O blog da AWS

Casos de Uso de AWS Outposts em Siderurgia

Por Alessandro Martins

 

O Setor de Manufatura e seus Desafios

Os clientes AWS do setor de de manufatura, dos mais diversos ramos de atuação e com diferentes necessidades – desde a indústria automotiva à siderurgia – buscam a melhor forma de aproveitar os benefícios da utilização da nuvem em suas operações.

De forma geral, as atividades de Tecnologia de Informação são mais voltadas, como o termo sugere, às capacidades oferecidas para a disseminação e utilização de dados e aplicações para o dia a dia das empresas, tanto em suas tarefas operacionais como no apoio à sua estratégia de negócios; são comuns, com variações dependendo da atividade da empresa, a todos os setores verticais, e compreendem práticas desde a administração de aplicações voltadas ao negócio como ERPs (Enterprise Resource Planning) e CRMs (Customer Relationship Management) até serviços de backend como e-mail e comunicação, e a gestão do hardware, dados e redes subjacentes a estes sistemas.

Por outro lado, diferentemente da Tecnologia de Informação, a Tecnologia de Automação (TA, ou OT, de sua contraparte em inglês: Operational Technology) trata da estrutura de hardware e software necessária à manutenção das operações mais próximas à atividade industrial e ao chão de fábrica. Esta área da tecnologia da empresa é responsável por:

  • Sensores e atuadores diretamente integrados ao maquinário industrial, como motores, bombas, caldeiras e prensas, bem como medidores de temperatura, pressão, umidade e gasometria, entre outros;
  • Processadores, microcontroladores e computadores que capturam dados e coordenam a lógica dos processos do chão de fábrica, como PLCs (Programmable Logic Controller) e CNCs (Computer Numerical Control);
  • Sistemas de supervisão e controle do processo da planta, como SCADAs (Supervisory Control and Data Acquisition) e DCSs (Distributed Control Systems)

Na figura 1 abaixo podemos ver como, de acordo com o modelo funcional ISA-95, estipulou-se a divisão hierárquica dos sistemas para a indústria, qual o tempo de resposta esperado para cada nível de responsabilidade, e a linha divisória entre o que fica a cargo da TI e o que é do domínio da TA.

Figura 1: Framework ISA-95 para Tecnologia de Manufatura

Devido às suas necessidades especiais, normalmente a própria estrutura organizacional da Tecnologia de Automação é apartada daquela da área de TI, e não raro atendem a diretorias distintas, com Engenheiros de Produção especializados em tecnologia como seus responsáveis. Da mesma forma, a TA possui demandas bastante características e restritivas para seus ambientes, distintas do funcionamento usual de ambientes de TI:

  • Baixa Latência: em processos de controle industrial, existem muitas dependências sistêmicas que devem ser resolvidas em questão de unidades de milissegundo e de forma determinística, sem margem para atrasos ou flutuações. Mesmo decisões que dependem de supervisão humana também devem ser rapidamente tomadas, em situações onde, no melhor dos casos, uma linha de produção pode ser parcial ou totalmente interrompida e, no pior, vidas humanas podem ser colocadas em risco. Para tal, a indústria de manufatura normalmente utiliza protocolos específicos para a comunicação entre as máquinas em uma rede de TA, como RS-232/485, EtherCAT, Modbus, DNP3, BACnet, Profinet/Profibus, OPC-UA, entre outros.
  • Segurança: analogamente, uma infraestrutura de tecnologia industrial que sofra riscos de segurança como exposição de dados e fragilidade de rede a invasões oferece perigos tanto à atividade-fim da empresa como a seus funcionários. O controle da automação industrial, se corrompido, pode operar de forma inadequada e fora dos parâmetros seguros de operação aos trabalhadores e ao meio-ambiente.
  • Resiliência: os sistemas de chão de fábrica são o coração do negócio na indústria. Os processos industriais não deveriam parar por indisponibilidade de aplicações, e não raro existem contrapartes manuais prontas para ser executadas em caso de falha sistêmica de alguma parte do processo. Porém, com a operação suspensa e/ou atrasada, um grande prejuízo financeiro pode ser acontecer por lotes de produção paralisados e descumprimento de contratos comerciais.
  • Isolamento: para atender a ambas as demandas acima, as redes de TA tradicionalmente são separadas das de TI. Há comunicação entre as redes através de gateways, mas via de regra a separação estrita acaba sendo a solução de arquitetura mais adotada, pelo pragmatismo da visão da TA – quanto menos ligações o ambiente de TA tiver com o de TI, que é naturalmente exposto à Internet e seus riscos, mais facilmente é possível controlar os acessos e a segurança do entorno do chão de fábrica. Porém, com o advento da Indústria 4.0 e a necessidade de haver comunicação entre equipamentos industriais e a nuvem, cada vez mais esforços estão sendo direcionados no sentido de se criar uma integração segura entre as tecnologias de informação e de automação.

AWS Outposts como uma Extensão da Nuvem

Dadas essas necessidades, o AWS Outposts aparece como uma solução excelente para a aproximação dos serviços da nuvem AWS ao cliente, instalado dentro de seu próprio datacenter como uma extensão da uma Região AWS. Dessa forma, consegue-se atender aos requisitos colocados:

  • Velocidade de resposta necessária a processos em tempo real: Na AWS, trabalha-se com um conceito denominado Lei da Física: a propagação — e, por consequência, a rapidez na comunicação e, eventualmente, a consistência dos dados entre partes de um sistema distribuído — tem um limite superior dado pela velocidade da luz (mais exatamente, a velocidade de movimentação destas interações pela camada física da rede, interna ou externa à empresa). Deste fato deriva a necessidade de se manter a capacidade de computação próxima de onde o dado é gerado, seja pela sensibilidade a latência, seja por não haver confiança na conectividade dentro dos parâmetros esperados pela atividade de produção da manufatura.
  • Presença de funcionalidade de nuvem AWS partindo de dentro da rede TA do cliente: Para a AWS, a nuvem não se limita à Internet. Os clientes conseguem estender seus planos de endereçamento IP e utilizar conectividade privada criando uma extensão da nuvem para sua infraestrutura local. O AWS Outposts oferece a uma parte da experiência da nuvem AWS – criação e gerenciamento de instâncias EC2, contêineres e ambientes ECS e EKS, redes VPC e armazenamento EBS e S3, entre outras funcionalidades – dentro das dependências do cliente, com as mesmas APIs, interface de administração e suporte direto da AWS. Isso permite que os clientes possam construir e testar suas aplicações na nuvem e entregar de forma consistente.

Para mais informações sobre os serviços de nuvem AWS que estão disponíveis a partir de uma instalação AWS Outposts, assim como forma de instalação, configurações de energia e demais casos de uso, acesse a página do serviço cujo link se encontra acima. Cabe indicar que o AWS Outposts é oferecido em duas versões:

  • AWS Outposts Racks: rack de formato 42U padrão de indústria
  • AWS Outposts Servers: bandejas em formato 1U (plataforma ARM com processador AWS Graviton2) ou 2U (plataforma x86 com processador Intel Xeon Scalable)

Segue uma arquitetura de referência para a implementação do AWS Outposts em uma configuração de Smart Factory. Note que são utilizadas capacidades de comunicação com diversos protocolos industriais fornecidos pelo AWS IoT Greengrass para estabelecer a conexão de forma segura entre os equipamentos de planta e a nuvem AWS. Dada a proximidade do Outposts à rede interna, dentro das dependências do cliente, nesta arquitetura é utilizada uma instância EC2 localmente alocada operando como o gateway de borda.

Figura 2: Arquitetura de Referência para Smart Factory usando AWS Outposts. Fonte: https://d1.awsstatic.com/architecture-diagrams/ArchitectureDiagrams/smart-factory-on-outposts-ra.pdf

 

*: NOTA: O Amazon SageMaker Edge Manager será descontinuado a partir de 24 de abril de 2024. Apesar de constar nesta figura, recomenda-se utilizar as tecnologias substitutivas indicadas em https://docs.aws.amazon.com/sagemaker/latest/dg/edge-eol.html.

 

Exemplo de Implantação: Indústria de Siderurgia

A arquitetura acima descrita foi usada como modelo para discussões com um cliente da AWS, uma grande empresa do ramo de siderurgia, na concepção de duas soluções diretamente relacionadas a problemas de negócios reais. Os casos a seguir foram criados tendo-se em mente as necessidades expressas pelo cliente de latência e resiliência, e para testar o conceito está sendo utilizado por esse cliente um AWS Outposts Server 2U. O caso 1 encontra-se, em dezembro de 2023 (data deste artigo), em processo de implantação em produção, e o caso 2 teve sua análise realizada junto às equipes de negócio e TA/TI do cliente, e deverá ser implantado até meados de 2024.

Os casos compartilham um mesmo padrão de projeto para soluções de Machine Learning distribuída: treinamento dos modelos realizado na nuvem usando AWS SageMaker e inferência realizada localmente na borda, no AWS Outposts Server. Este padrão oferece as seguintes vantagens:

  • Baixa latência para a operação on-premises, na casa dos décimos de milissegundo.
  • Alto poder de computação baseada em nuvem (incluindo utilização de GPUs, se necessário) sem onerar o processamento e o custo locais, com possível alocação de recursos sob demanda de forma ágil e rápida.
  • Arquitetura de alta resiliência: em caso de problemas de conexão com a Região AWS, os componentes de inferência – necessários na operação near-real time – continuam operando.

Vamos discutir abaixo cada caso de uso e quais as abordagens utilizadas.

 

Caso 1: Análise de Flotação de Escória por Vídeo

Neste caso, câmeras são colocadas sobre uma caldeira durante a etapa de redução (produção do ferro gusa) para verificar a formação e permanência de uma camada de escória (slag) protetora. Este processo é crítico na elaboração do aço: uma exposição prematura do conteúdo de ferro ao oxigênio pode fazer com que todo o lote precise ser descartado. Para aumentar a precisão nesta verificação e, ao mesmo tempo, aumentar a segurança dos operadores, a AWS juntou forças com o cliente para criar uma solução de processamento de imagens por Inteligência Artificial.

Figura 3: Arquitetura da solução de Análise de Flotação por Vídeo

Em sua concepção inicial, a solução havia sido desenhada utilizando instâncias EC2 em nuvem e preparada para instalação em um dispositivo core de borda utilizando AWS IoT Greengrass, como um NVidia Jetson Nano ou um Raspberry Pi. Com a utilização do AWS Outposts Server como arcabouço para a computação de borda, ganhou-se a facilidade de instalação e manutenção da aplicação on-premises (módulo de inferência e notificação) usando as ferramentas e o console da própria AWS e a possibilidade de se mudar a família e o tamanho da instância utilizada, se necessário (se houver uma demanda computacional maior, por exemplo), sem mudanças na aplicação.

Caso 2: Análise de Composição Química

Neste caso, o processo é o de verificação da composição química a ser feita em cada corrida de produção de ligas metálicas. O seu rendimento não é fixo entre cada corrida, e a sua variabilidade é gerada por uma combinação de fatores de processo como as temperaturas utilizadas e a própria composição química anterior à adição. Uma vez que se reduza essa variabilidade, pode-se passar a objetivar adições em menor quantidade e assim capturar ganhos em economia com as ligas sem prejudicar o atendimento à especificação do material.

Para tanto, é necessário realizar uma análise ad-hoc das corridas com seus parâmetros atuais reais, para a realização dos ajustes necessários antes que o processo se inicie. Hoje, a análise é feita por uma aplicação executada na nuvem cuja lentidão na resposta ou eventual indisponibilidade pode comprometer os tempos de execução das corridas, não gerando os resultados de negócio esperados.

Figura 4: Arquitetura da solução de Análise de Composição Química

O objetivo da solução proposta é separar os componentes de inferência e treinamento da aplicação atual de Machine Learning (atualmente elas fazem parte de um mesmo módulo) e levar o componente de inferência para o AWS Outposts que seria executado em contêineres ECS. De acordo com o business case realizado com o cliente, estima-se que o ganho no índice de produtividade da usina (número de corridas por dia) será de aproximadamente 5%, o que representa um potencial para a realização de 1 corrida a mais por dia.

Apêndice: Ajuste do Dimensionamento das Instâncias

Além das necessidades padrão para instalação do AWS Outposts – requisitos do espaço físico, configuração de rede, disponibilidade de energia (refira-se ao documento https://docs.aws.amazon.com/outposts/latest/userguide/outposts-requirements.html para mais detalhes) – é importante tem em mente como dimensionar o AWS Outposts Server para que a capacidade computacional adequada atenda aos requisitos das aplicações.

Como mencionado acima, o cliente solicitou a instalação de um AWS Outposts Server 2U. Este servidor foi entregue pela AWS para colocação no datacenter disponibilizando, por padrão, 4 instâncias c6id.8xlarge por unidade (U) do equipamento; sendo duas unidades, trata-se de um total de 8 instâncias nesta configuração. Porém, é possível realizar a mudança desta configuração* mediante uma solicitação ao AWS Support, que realiza a redistribuição das instâncias de forma a que a soma da capacidade computacional final seja a mesma. Desta forma, foi possível tanto atender aos requisitos computacionais dos casos propostos como ter uma reserva de instâncias potenciais para eventuais casos de uso futuros.

Tabela 1: Configurações possíveis para um AWS Outposts Server 2U

 

Dadas as soluções planejadas para instalação, foi feita a reconfiguração do Outposts Server para compreender 2 instâncias c6id.xlarge, 3 c6id.2xlarge, e 3 c6id.8xlarge.

* NOTA: esta mudança é uma operação destrutiva, que elimina o conteúdo das instâncias anteriormente provisionadas. Em nosso caso, o equipamento havia sido recentemente instalado, sem conteúdo instalado.

Conclusão

Como foi apresentado, o AWS Outposts Server é um serviço que traz muito valor à indústria ao aliar baixa latência resiliência e segurança a uma vasta gama de possibilidades de serviços disponíveis na nuvem AWS tanto na região como de forma local, e também variantes híbridas e integradas, como Amazon Sagemaker, AWS IoT, Amazon ECS e EKS, entre muitos outros. Ele pode ser uma peça fundamental na transição de arquiteturas industriais tradicionais para a visão de Smart Factories.

 

Sobre o autor

Alessandro Martins (@alfermar) é Senior Solutions Architect for Auto and Manufacturing e membro do Technical Field Community de Internet of Things da AWS