O blog da AWS
A importância das Multinacionais nas Capacidades Digitais no Brasil
Por Cleber Morais, Country Sales Director, Amazon Web Services (AWS)
Responder a essa pergunta é, definitivamente, um exercício de voltar no tempo, uma forma de colocar em retrospectiva – e, depois, em perspectiva – a história da tecnologia no mundo e no Brasil. É também voltar à minha própria história profissional. Afinal, com mais de 3 décadas atuando nesse mercado, creio ter algumas histórias para contar.
Minha trajetória profissional começa em 1988, quando ingressei, recém-formado em Engenharia Elétrica, na IBM. O mundo e o mercado de tecnologia não eram como os conhecemos hoje. Desde 1984 estava em vigência a Política Nacional de Informática (PNI), Lei Federal 7.232/84, popularmente conhecida como lei da reserva de mercado. Os controles de acesso à tecnologia e à atuação de empresas estrangeiras no Brasil, no entanto, existiam desde o início dos anos 1970, quando da criação da CAPRE – Comissão de Coordenação das Atividades de Processamento Eletrônico. O Brasil era um país fechado aos investimentos estrangeiros, numa tentativa de “proteger o mercado local”, o que não impediu que pouco antes do fim da década de 80, eu fosse um profissional de uma multinacional que atuava em solo brasileiro há mais de 70 anos. A PNI foi oficialmente extinta em 1992, conforme previsto no decreto de sua criação.
Na época, eu naturalmente não tinha a clareza com a qual conto essa história hoje, mas vi muito de perto um movimento que se desenhou bastante nítido. Ao longo dos anos de vigência da PNI e na década que antecedeu a lei, a situação do mercado exigia que nossos profissionais exercitassem a criatividade para driblar as severas restrições de acesso a tecnologias. Ao longo dos anos, nasceram empresas fundamentais para a digitalização do País, como Cobra, Itautec, Scopus, Edisa e Elebra, para citar algumas.
No fim dos anos 1980, quando entrei para o setor, o capital estrangeiro que chegava ou voltava até aqui vinha com novidades tecnológicas, mas também em busca dos talentos nascidos ao redor desse vibrante ecossistema de empreendedorismo. Jovem, passei um ano em treinamento nesse meu primeiro emprego. Em capacitação. Aprendendo e me desenvolvendo, assim como tantos outros pares e colegas. Fazíamos parte de um embrião que, depois, se tornou a espinha dorsal do papel das empresas multinacionais no desenvolvimento das capacidades digitais no Brasil: aportar tecnologia e capital, mas sempre estimulando o conhecimento local e se retroalimentando.
Traçando um paralelo simplista com outras indústrias – que, em alguns casos, foram na contramão desse movimento -, o que vimos nascer, durante a década de 1990 e com o fim das barreiras da reserva de mercado, foi um processo de injeção de capital estrangeiro para potencializar o desenvolvimento do capital intelectual brasileiro. Já se sabia da capacidade dos nossos talentos, do potencial do nosso mercado interno para o consumo de tecnologia e, mais adiante, do nosso potencial de sermos – nós brasileiros – desenvolvedores e exportadores de tecnologia, de profissionais e de conhecimento.
A abertura do mercado fez dos anos 1990 um dos momentos mais vibrantes da história do setor de tecnologia no Brasil, com a chegada de conhecimento, investimentos, novas empresas e, principalmente, o surgimento de oportunidades para milhares de profissionais liberarem seu potencial. Nascem ou crescem significativamente nessa época empresas emblemáticas em nossa história, não só criadoras de tecnologia, mas capazes de cobrir todo o escopo do setor – canais de distribuição, integradores, centros de capacitação, fabricantes de hardware e software.
Nessa época, tive o privilégio de trabalhar em outra empresa intensiva em tecnologia e capacitação do ecossistema e de profissionais, que foi a Sun Microsystems. Vivi de dentro o início do uso massivo da internet. Estávamos em plena era de ouro da baixa plataforma, do alto poder de processamento em computadores que não precisavam mais ocupar andares inteiros para operar. Mais que um momento de repensar o hardware e tudo o que estava ao seu redor, era fervilhante a ideia de uma rede mundial de computadores que iria mudar radicalmente o mundo. O que se provou verdade. Basta olhar em volta e ver que passamos pelo momento mais tangível da transformação digital, o que, antes, era apenas previsão ou algum lugar no horizonte.
Nesse momento, já como presidente da operação local de uma multinacional de origem norte-americana, vi novamente um grande esforço de capacitar mão-de-obra e viabilizar projetos locais. Junto com o C.E.S.A.R. (Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife), formamos centenas de profissionais em linguagem Java. Profissionais esses que, certamente, ainda estão no mercado, fazendo diferença em suas posições atuais e ensinando tantos outros. Mais uma vez, a mesma ideia balizava nossa atuação: fomentar a formação e o crescimento de um ecossistema no País.
Minha carreira me levou a outros mercados ainda dentro do universo de tecnologia, onde pude testemunhar e tomar parte de um grande movimento de transformação digital no segmento de comunicação empresarial. Por quatro anos, na Avaya, liderei novamente uma multinacional de origem norte-americana que cumpria seu papel de fomentar o mercado local por meio de parcerias, desenvolvimento de mercado e educação. Não à toa, empresas – com exceção da Sun, que foi adquirida em 2009 – que seguem operando no País, de forma saudável e competitiva, contratando talentos brasileiros e abrindo espaço para os mesmos se tornarem expoentes globais, inclusive.
Esse é, talvez, um dos maiores diferenciais da forma como as multinacionais de tecnologia atuaram e seguem atuando no Brasil: não há uma relação predatória ou mesmo de imposição de tecnologia e ideias; o mundo de TI entendeu que para ter sucesso sua atuação seria a de efetivamente fomentar o desenvolvimento do mercado. A qualidade de nossos profissionais, o tamanho do mercado potencial, as capacidades desenvolvidas por nosso sistema financeiro (sempre tido como uma referência global) são partes que ajudam a explicar esse fenômeno.
Depois de mais de 23 anos atuando em multinacionais norte-americanas, minha carreira toma um rumo natural e se cruza claramente com o desenvolvimento do mercado brasileiro. Desembarco, finalmente, em uma multinacional brasileira. E vejo – na prática e na pele – a importância de toda a evolução conquistada desde a abertura de mercado.
Nascida de um sonho de empreendedorismo, fruto de dois trabalhos de dissertação de seus fundadores sobre impressoras matriciais em um curso de pós-graduação no Paraná, a Bematech foi uma grata surpresa. A companhia já ganhava o mundo quando cheguei. Ali, era claro o potencial do País, da tecnologia e dos talentos que faziam daquele sonho, realidade. Sabendo navegar muito bem toda a complexidade do varejo, do sistema financeiro e do fisco local (que também alavancou, como sabemos, o sistema bancário e, mais recentemente, impulsionou as fintechs) – e relevância da Bematech se expandiu para muito além das nossas fronteiras geográficas.
Era esse papel inicial das multinacionais, tão importante lá atrás, sendo tangível. Estimulado e capitalizado, o mercado – que já era um grande ecossistema, onde todos têm de ganhar – florescia.
Nos últimos anos, todos nós vimos milhares de start-ups nascerem em solo nacional, escalarem, pivotarem e se capitalizarem (para usar todos os jargões desse mundo tão incrível). Segundo a Associação Brasileira de Startups (Abstartups), o Brasil tinha – no início 2020 – 12.700 startups. Esse número é 27% maior do que em 2018 e 20 vezes maior do que em 2011. A mesma reportagem do G1 que trazia esses dados, computava à época, 11 unicórnios brasileiros. A última contagem, do início de 2021, já dá conta de 15. De acordo com levantamento da plataforma de inovação Distrito, apenas em novembro de 2019 as startups brasileiras captaram 344 milhões de dólares.
Quando minha missão na Bematech foi concluída, era hora de experimentar uma nova multinacional, agora de origem europeia. E, novamente, conheci de perto outras indústrias se transformando digitalmente. Indústria 4.0, energia, sustentabilidade, diversidade. Os temas e práticas da Schneider Electric eram variados e, em todos os pontos de contato da empresa com o Brasil – onde tem uma longa história e consistente presença – eram (e são) voltados para estimular, capacitar e fomentar desenvolvimento.
Uma série incrível de empresas globais, com pensamento, atuação e respeito locais, sem dúvida. E, então, eu desembarco no capítulo mais atual da minha carreira e, coincidentemente ou não, no que temos de mais contemporâneo quando pensamos em tecnologia. A nuvem. Estar na AWS e olhar para trás por meio desse artigo que escrevo aqui (e, por isso, agradeço à FDC pela oportunidade de reviver tudo isso) é ter tranquilidade de, finalmente, responder de forma enfática – mas obviamente não com presunção de ser absoluta – à pergunta que me foi feita: “qual a importância das Multinacionais nas Capacidades Digitais no Brasil”. Uma resposta em muitas partes.
A importância fundamental foi participar da abertura de mercado, aportando capital financeiro e apoiando o desenvolvimento do capital intelectual local, gerando empregos e capacitando pessoas. Foi também criar um ecossistema de empresas fortes, de diversos tamanhos e que segue gerando riquezas. Foi ainda abrir espaço para que a tecnologia, aqui, também fosse desenvolvida, tropicalizada e adaptada às nossas necessidades. Foi entender que uma postura exploratória, onde apenas um ganha, não seria sustentável. Foi, enfim, colaborar e seguir colaborando para que nascesse um termo para além das multinacionais. As metanacionais. Conheci o termo e o conceito por meio do trabalho do professor de Práticas de Gestão Global do INSEAD, José Santos, no qual ele defende que o maior desafio das companhias é desenvolver valor para além das fronteiras geográficas: é adaptar-se a outros países.
E estar na AWS, uma empresa que – no mesmo ano em que completa 15 anos de fundação nos Estados Unidos também completa 10 anos no Brasil – é entender que estou, de fato, em uma metanacional. Pois é nítido ver sua adaptabilidade aos mercados estrangeiros e ao nosso, em particular. Ter construído uma estrada tão sólida onde quer que opere é, certamente, motivo de orgulho. Mas é também o reflexo de entender, claramente, a capacidade, o potencial, a realidade e as necessidades de cada localidade. Tudo isso com muita responsabilidade, investimento em capacitação e fomento dos ecossistemas locais.
Para cumprir seu papel de fomentar o mercado, AWS possui programas como o AWS Activate, que fornece os meios para empreendedores e startups superarem desafios por treinamento técnico, créditos promocionais para utilização de serviços de computação em nuvem e mentoria, além de outras vantagens. As startups podem ser selecionadas para receber até US$ 100 mil em créditos para serem utilizados em um ano. Além disso, há ampla oferta de treinamentos e oportunidades de aprendizado para o mercado por meio do AWS Educate, que tem como objetivo ajudar na formação da próxima geração de profissionais de TI e nuvem. Essa iniciativa global disponibiliza a alunos e professores os recursos necessários para acelerar o aprendizado relacionado à nuvem.
Olhar para os clientes da AWS hoje e vê-los ganhar o mundo é entender que estamos cumprindo com a nossa missão de sermos ‘enablers’, de removermos obstáculos para que ‘builders can build’. Para ficar apenas em um exemplo, citaria a brasileira Hotmart, com sede em Amsterdã. Fundada há pouco mais de 10 anos em Belo Horizonte, a Hotmart é hoje uma empresa com presença mundial que promove empreendedorismo e educação a distância (EAD) por meio de uma plataforma completa para produtores de cursos digitais e para alunos. É o talento e a excelência brasileira ganhando o mundo.
Olhando para minha trajetória nas últimas três décadas, é incrível ver um cenário completamente diferente de quando comecei. Afinal, sou de um tempo em que muitos sonharam empreender e não prosperaram pois não havia capital para se adquirir tecnologia. Não havia ambiente. Mesmo havendo muita vontade, muita oportunidade e muito potencial. Que bom que essa realidade mudou e que, dia a dia, vemos pessoas de todas as idades tirando suas ideias do papel, criando negócios, inovando e mantendo o ecossistema vivo.
Encerro com uma provocação, para mim meus colegas de jornada. Será que conseguimos responder, quem sabe num futuro próximo, a uma nova e ainda mais relevante pergunta: “qual o papel das multinacionais brasileiras no desenvolvimento das capacidades digitais no mundo?”. Certamente, mais um incrível capítulo.
Este artigo faz parte do eBook “Digital: negócios e transformação digital” da Fundação Dom Cabral.
Sobre o autor
Cleber Morais é Country Sales Director da Amazon Web Services Brasil.