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Usando IoT para o Monitoramento de Condições Ambientais em Espaços Confinados (parte I)

Por Alessandro Martins

O monitoramento de condições ambientais em espaços confinados e a respectiva automação na tomada de ação – considerando tanto resposta local como o fornecimento de dados remotos para reporte, geração de histórico e aplicações de inteligência artificial – é uma necessidade recorrente em clientes de diversos setores de negócios. Interessantemente, o mesmo tipo de solução pode ser aplicado e gerar valor às suas respectivas empresas de forma distinta: desde o enfoque em segurança dos funcionários e melhoria de suas condições de trabalho em recintos insalubres ao aumento de produtividade e agilidade na tomada de decisão no manejo de animais em pecuária, verificamos algo análogo a um “padrão de projeto” (design pattern) que poderia ser elaborado, utilizado e adaptado de acordo com o contexto específico

Este artigo é o primeiro de uma série que abordará este tema. Nele vamos apresentar algumas das principais demandas de negócio para setores em que o monitoramento de ambientes confinados adiciona valor e como esse valor se caracteriza em cada situação e então proporemos a arquitetura de uma solução para provar o conceito da utilização da tecnologia LoRaWAN para endereçar o tema. Nos próximos artigos, deveremos descrever a jornada da implementação desta solução e compartilhar como os leitores as necessidades de vida real para sua adoção em diversos cenários de negócio.

Casos de Negócio e Contextos

Os casos de negócio abaixo se baseiam em um mesmo princípio: medir variáveis ambientais e torná-las disponíveis aos clientes utilizando-se dos serviços de IoT da nuvem AWS e, dependendo do caso, prover uma maneira automatizada e gerenciada de atuar sobre o ambiente. Por via de regra, outros pontos em comum que podem ser observados entre estes casos de negócio são de que seus ambientes monitorados (galerias de minas, galpões industriais ou de criação animal, silos de grãos, etc.) podem:

  • Estar distantes entre si e de uma instalação administrativa central
  • Ter uma área interna de monitoramento a cobrir muito extensa
  • Ter uma configuração heterogênea de tipos de sensores e atuadores
  • Ter obstáculos internos que configurem barreiras à comunicação sem fio entre gateways e dispositivos finais
  • Estar em localizações isoladas, onde a infraestrutura de comunicação (e mesmo de energia elétrica) é precária ou inexistente

Nós nos concentraremos, nas próximas seções do artigo, em mostrar quais são os motivadores de dois dos possíveis caso de negócio e que tipo de indicador ambiental deve ser coletado.

Pecuária intensiva

Na pecuária realizada em galpões, diversos fatores podem ser monitorados e controlados com o objetivo de aumentar a produtividade e a segurança dos animais.

Atualmente, e principalmente no Brasil e com pequenos produtores, este tipo de controle é frequentemente realizado de forma convencional. Um operador faz a leitura dos sensores em um painel externo ao galpão e toma ações manuais como a ativação de contatores para o acionamento de exaustores ou a abertura/fechamento de janelas. A coleta de dados para projeção histórica ainda está em seus estágios iniciais, e não raramente é feita em planilhas, apresentando um grande risco de perda, o que acarreta perdas de oportunidades de melhoria na produção e de identificação da causa raiz de eventuais problemas. Segundo (MOURA, 2020):

“74% dos produtores ainda não usam ferramentas digitais no controle de seu negócio e quase 43% ainda faz o controle dos seus dados e informações no papel.”

De forma geral, pode-se aplicar a IoT para o monitoramento de temperatura, umidade e gases e a automação climática dos galpões de criação animal para:

  • Angariar dados para a verificação e a melhoria contínua das condições do recinto de criação, assim como detectar problemas acidentais;
  • Automatizar a nebulização de gotículas de água no interior do galpão, promovendo tanto o resfriamento do ambiente como a umidificação e a neutralização de partículas em suspensão.
  • Controlar a aspersão de medicamentos e desinfetantes em caso de doença conhecida (com o acompanhamento de um médico veterinário)
  • Automatizar o acionamento de ventiladores e exaustores tanto para o controle térmico como para a expulsão dos gases nocivos.

 

Em alguns exemplos específicos, podemos citar:

  • Suinocultura:
    • Segundo (KIEFER et al., 2010 apud FROSI, 2017), “[…] suínos estressados por calor podem consumir até 36% a menos de proteína (ração) e apresentam redução de 46% no ganho de peso em relação a suínos em temperatura de conforto.”
    • Segundo (FROSI, 2017): “esse gás [amônia, NH3] é proveniente da degradação da ureia e outros componentes presentes na urina e nos dejetos dos suínos. A NH3 irrita a mucosa dos suínos a partir de 15 a 20 ppm e, em associação à poeira presente no ar, pode causar um efeito depressivo, além de diminuir o desempenho dos animais.
    • Segundo (MORES, 2010), “a maioria dos agentes causadores de doenças respiratórias encontra-se no ar sob a forma de aerossóis e ou aderidos a partículas como pó de fezes ou de ração.”
  • Avicultura:
    • Segundo (MENDES, 2015), para aves adultas, o limite inferior da zona de conforto é, em geral, em torno de 12°C, ou seja, 30°C abaixo de sua temperatura corporal, ao passo que o limite superior é de 47°C, isto é, apenas 5°C acima de sua temperatura basal. A partir desta temperatura, o ambiente já é considerado letal para as aves.
    • Um estudo realizado por (HUSSEIN apud MENDES, 2015) encontrou que as aves submetidas à temperatura padrão apresentaram taxa de postura ([número de ovos postos] / [número de aves]) igual a 92,03%, enquanto que as aves submetidas a temperaturas de estresse por calor apresentaram taxas de postura igual a 89,72%, com uma redução de 2,5% na produção.
    • Ainda de acordo com (MENDES, 2015), para a unidade relativa do ar, ela não deve ultrapassar os 80%, estando o valor ideal entre 40% e 60%. Abaixo de 30%, existe uma alta produção de poeira em conjunto com um aumento significativo do número de microrganismos em suspensão.
    • Sobre a importâncias dos gases presentes no ambiente, podemos destacar o dióxido de carbono (CO2) e a amônia (NH3). Em relação ao dióxido de carbono, segundo (MENDES, 2015): “[…] a diminuição da concentração de CO2 […] pode resultar em ovos pequenos, de casca fina ou até mesmo sem casca.” Já sobre a amônia, podemos citar (PALHARES, 2011): “exposição a concentrações de 75 ppm por três semanas consecutivas irão causar ulcerações no globo ocular, o que limita a alimentação e dessedentação dos animais, diminuindo o ganho de peso; altera o comportamento, com aumento do estresse; e pode levar ao aumento da mortalidade.”

 

Mineração e Manufatura

No caso da mineração subterrânea, o principal caso de uso é o de verificação das condições atmosféricas dentro das galerias. Tanto acidentes eventuais (p. ex., vazamentos de gás e explosões) como condições mais constantes de insalubridade podem ser métricas que devem resultar em tomada de decisão e controle e que o monitoramento e automação de resposta pode ser decisivo na garantia da integridade física dos funcionários e na salvaguarda da empresa em relação a ações trabalhistas. Os desafios na manufatura — em especial em processos em que existe a exposição de pessoas a ambientes insalubres, como siderurgia e petroquímica — são análogos.

 

A tabela abaixo apresenta alguns destes gases e a concentração a partir da qual eles podem trazer perigo aos trabalhadores.

* NOTA: TLV (Threshold Limit Values): São valores referentes à concentração de agentes tóxicos no ar e representam as condições nas quais os trabalhadores podem ser repetidamente expostos, dia após dia, sem efeitos adversos. São três as categorias de TLV’s:

  • TLV-TWA (Time-weighted Average): Concentração média considerando 40 horas de trabalho por semana.
  • TLV-STEL (Short-term Exposure Limit): Máxima concentração para exposição de até 15 minutos, sem efeitos
  • adversos, considerando não mais que 4 exposições por dia, com pelo menos 60 minutos entre elas e não excedendo o TLV-TWA.
  • TLV-C (Ceiling): Concentração que não pode ser excedida por nenhum momento

Tabela 1: Características dos gases encontrados em minas subterrâneas (GANCEV, 2006) [adaptação]

Outro fator de controle importante é temperatura do ambiente de trabalho. A tabela abaixo mostra a queda no rendimento de um trabalhador com o aumento da temperatura do ar:

Tabela 2: Queda do rendimento (R) com a temperatura do ar (T) em trabalhos pesados de perfuração, com perfuradores experientes, aclimatados, trabalhando 3 horas consecutivas nas frentes de trabalho (GANCEV, 2006)

Uma melhoria que pode ser trazida pela IoT para estes casos de uso nos setores de manufatura e mineração é a automatização da ventilação e umidificação das galerias e galpões com um mecanismo de feedback entre valores recebidos e o acionamento/desligamento destes sistemas. No caso de acidentes e de valores próximos do limite para compatibilidade com a vida, podem-se disparar alarmes para evacuação. A utilização de tecnologias como LoRaWAN e é especialmente eficaz em situações onde haja um grande número de galpões ou galerias dispostas pela planta ou complexo de minas e/ou onde sua estrutura interna dificulte o alcance de sinal de outras tecnologias de comunicação sem fio.

Como foi possível verificar, uma mesma classe de soluções (um design pattern de utilização de IoT com um misto de feedback de controle e notificação/tomada de decisão remota) pode trazer grande valor ao negócio do cliente das áreas supracitadas, mesmo tendo motivações e naturezas de ganhos distintos. Vamos agora propor tecnologias que podem testar este conceito com uma implementação de referência.

Solução Proposta

Visão Geral sobre LoRaWAN

Conforme citamos no início do artigo, existem demandas observadas nos cenários descritos que são prontamente atendidas pela tecnologia LoRaWAN. Embora não seja a intenção deste blog explicar o que é LoRaWAN e quais são suas funcionalidades – isto pode ser conseguido a partir das referências abaixo descritas – podemos elencar algumas de suas principais características de nosso interesse. De acordo com The Things Network, a LoRaWAN oferece:

  • Consumo extremamente baixo: Os dispositivos finais LoRaWAN são otimizados para operar em modo de baixo consumo de energia e podem durar até 10 anos com uma única bateria tipo moeda.
  • Longo alcance: Gateways LoRaWAN podem transmitir e receber sinais a uma distância de mais de 10 quilômetros em áreas rurais e até 3 quilômetros em áreas urbanas densas.
  • Penetração interna profunda: As redes LoRaWAN podem fornecer cobertura interna profunda e cobrir facilmente edifícios de vários andares.
  • Alta capacidade: Os servidores de rede LoRaWAN podem lidar com milhões de mensagens de milhares de gateways.
  • Atualizações de firmware over the air (FUOTA): Você pode atualizar remotamente o firmware (aplicativos e a pilha LoRaWAN) para um único dispositivo final ou grupo de dispositivos finais.
  • Baixo custo: Infraestrutura mínima, nós finais de baixo custo e software de código aberto.
  • Ecossistema: LoRaWAN possui um grande ecossistema de fabricantes de dispositivos, gateways e antenas, provedores de serviços de rede e desenvolvedores de aplicativos.

Figura 1: Uma arquitetura de redes LoRaWAN típica. Fonte: https://www.thethingsnetwork.org/docs/lorawan/architecture/

Por outro lado, LoRaWAN não oferece uma largura de banda suficiente para, por exemplo, aplicações que envolvam streaming de vídeo, como monitoramento por câmeras e sistemas de resposta em tempo real. Em casos em que estas necessidades devam ser observadas, outras tecnologias de rede como Wi-Fi (IEEE 802.11) e celular (LTE/5G) são mais adequadas.

Note a correspondência entre as necessidades de nossos casos de uso e as características oferecidas pelas redes LoRa no gráfico abaixo:

Figura 2: Redes LoRa: Trade-off entre largura de banda e alcance.

Podemos ver que, para a aplicação proposta e os casos de uso mostrados, o uso de LoRaWAN se mostra bastante adequado. Vamos testar o conceito da tecnologia em uma solução-modelo que recria, de ponta a ponta, um ambiente como os descritos acima.

Arquitetura Proposta para a Solução

Em nossa prova de conceito, deveremos basear a solução no AWS IoT Core for LoRaWAN. Esta funcionalidade do AWS IoT Core provê uma infraestrutura de LNS (LoRaWAN Network Server) que pode ser diretamente integrada aos demais serviços de nuvem da AWS com utilização do AWS IoT Core Rules Engine, sendo essa uma das grandes vantagens no desenvolvimento de soluções que utilizam essa tecnologia. Com isso, o cliente consegue criar aplicações para, por exemplo:

  • enviar os dados que vêm dos sensores do galpão de criação para dispositivos móveis, emitindo alarmes quando as condições dos ambientes estiverem críticas. A partir daí, o usuário pode decidir ativar remotamente exaustores ou umidificadores (e ser notificado de quando as condições se normalizarem), ou criar uma funcionalidade de resposta automática que ativa e desativa os atuadores, apenas avisando o usuário da situação encontrada e solucionada. Isso facilita muito o trabalho do operador que hoje precisa ir até a um painel externo ao galpão, e realizar ações apenas quando está presente no campo.
  • direcionar as informações para bases de dados analíticas e históricas, que permitirão fazer o planejamento da criação, como produtividade, custos com ração e melhorias para redução de mortalidade dos animais usando Inteligência Artificial e Big Data
  • detectar, dentro das galerias ou ambientes industriais, pontos onde existe uma maior concentração de gás, para encontrar eventuais pontos de vazamento ocultos, com um mapeamento da mina ou planta de produção usando Gêmeo Digital.

O diagrama abaixo mostra uma arquitetura de solução que poderia ser adaptada, a princípio, a qualquer dos casos de uso expostos.

Figura 3: Arquitetura da prova de conceito proposta 

Nesta solução, devemos fazer a captura de informações ambientais [1] com sensores habilitados para LoRaWAN e enviá-los, via um LoRaWAN gateway [2], para a nuvem AWS. Recebida pelo AWS IoT Core LNS [3], a mensagem é encaminhada, a partir de uma regra no AWS IoT Rules Engine [4], para uma função AWS Lambda [5] que realiza sua transformação do formato binário para JSON (para mais detalhes, acesse este link) e repassada via um tópico MQTT pelo AWS IoT Rules Engine [6], para consumo pelo AWS SiteWise.

No AWS IoT SiteWise, estas mensagens são repassadas para ativos (assets) agrupados em um modelo do ambiente confinado nele construído [7]. A partir deste ambiente modelado e dos dados disponibilizados pelos assets, são criados painéis de monitoração com o AWS SiteWise Monitor [8] e um gêmeo digital do ambiente usando AWS IoT TwinMaker [9].

Via MQTT, estes dados também são disponibilizados para uma aplicação web e/ou móvel ([10] e [11]) para que o usuário possa ver os indicadores e tomar a decisão de acionar, remotamente, os exaustores do galpão, para que a ventilação possa controlar a temperatura e dispersar gases acumulados [12], e desligá-los quando necessário. Alternativamente, a aplicação pode enviar o comando de acionamento e desligamento dos exaustores de forma automática (de acordo com limiares determinados pelo usuário) e apenas enviar-lhe a notificação.

Conclusão

Dentro do futuro próximo, deveremos implementar um protótipo para testar o conceito acima descrito, registrando as decisões de projeto tomadas e sua evolução. Vamos mantê-los atualizados sobre a execução. Não deixe de acompanhar!

Referências

Suinocultura:

 

Avicultura:

Mineração:

Manufatura:

LoRaWAN:

 

 Sobre o Autor

 

Alessandro Martins é Senior Solutions Architect for Auto and Manufacturing e membro do TFC de IoT da AWS